– Difícil era na minha época! Quando vim de Itaúna para São Paulo a estrada era de terra. Naquela época não tinha nem telefone. Agora você vai lá pra Suécia de avião e a gente conversa pelo Skype!
Quando ouvi isso do meu pai, em meados de 2002, um sentimento de honra à história que ele começou lá atrás tomou conta de mim. O senhor Everaldo teve uma vida dura. Nasceu em 1941 na região de Itaúna, no interior de Minas Gerais. Localizada 80 quilômetros a sudoeste de Belo Horizonte, a cidadezinha fica na conhecida Serra do Minério, com tradição na área de mineração e fundição. Era um dos mais novos entre os 11 filhos dos meus avôs Seu João e Dona Maria. Meu avô morreu quando ele tinha apenas nove anos e, portanto, meu pai estudou só até a quarta série e começou a trabalhar na roça bem cedo.
Acontece que ele não se interessava muito pela vida rural e começou a viajar com um primo que dirigia caminhão. Desde aquela época, já queria saber mais do mundo. Sempre foi um desbravador e sua vontade era a de conhecer novos lugares, sair de Itaúna e “vencer na vida”.
Logo virou caminhoneiro e, depois, empreendedor no ramo dos transportes, negócio que o levou para a cidade de São Paulo. Nesse meio tempo, chegou a passar por um período de bastante dificuldades financeiras e precisou voltar para Itaúna, onde puxou minério de ferro. Entretanto, o mercado estava ruim e tinha dias que sequer havia minério para ser transportado. Foram tempos bem difíceis! Depois de um tempo, contudo, ele começou a trabalhar com uma transportadora e voltou de vez para São Paulo. Engatou numa boa fase financeiramente e ficou mais de dez anos com a transportadora, de 1984 até quando eu fiz 17 anos, em 1995.
Trabalhador e obstinado, ele me transmitiu um olhar destemido para a vida, daquele que pode tudo quando “treina ou estuda muito”. Ensinou-me, também, que a “vida só é dura para quem é mole”, frase que escutei desde criança até sair de casa, aos 18 anos. Todos os dias de manhã, ele puxava nosso cobertor — o da minha irmã e o meu — e, se a gente resmungava e pedia para ficar mais um “tiquim”, dizia:
— Está na hora! Vamos lá que a vida só é dura pra quem é mole!
Foi também em Itaúna, entre suas idas e vindas com o caminhão, que meu pai conheceu a minha mãe, a senhora Idelânia. Nascida em 1945 na mesma cidade, ela teve cinco irmãos. As condições de vida da minha família materna eram um pouco melhores do que as da paterna. Meu avô Acácio era marceneiro e tinha algumas pequenas propriedades na região; e a minha avó Margarida trabalhava no correio. Portanto, minha mãe estudou para ser professora. Inicialmente fez magistério e, mais tarde, a faculdade de Letras para continuar dando aulas. Dedicou sua carreira a formar bons cidadãos, sempre educando crianças até a quarta série.
Meus pais se casaram em 1975. Filho mais velho, nasci em 1978, em Itaúna, mas logo fui para São Paulo, na primeira tentativa do meu pai de se estabelecer na cidade. Tenho uma irmã mais nova, a Maria Tereza, que nasceu em 1980, quando estávamos de volta a Itaúna.
Minha mãe é, sem dúvida, a maior responsável pela minha formação educacional, por eu ter sido capaz de desenvolver uma técnica de aprendizado e disciplina que me foi útil por toda a vida. Graças a ela tenho valores relacionados à honestidade, caridade e busca da perfeição em tudo que faço. Ela sempre me ensinou a importância de ser educado, de saber esperar a nossa vez e não aceitar nada de ninguém. Também me ensinou muito sobre a religião católica, sobretudo, que “humildade é tudo na vida, meu filho!”, ensinamento que escutei dela constantemente desde pequeno e guardo comigo até hoje — afinal, em tempos onde todos temos voz e podemos nos expressar pela internet, queremos mostrar a tal “autoridade”, “ensinar”, “influenciar” ou apenas nos “exibir”, lembrar do ensinamento do Dona Dedê sempre me mantém com os pés nos chão, mesmo quando me sinto nas nuvens..
Ela também me motivou — “na palmada” — a ser muito estudioso. Se fui muito bem na escola, em partes, foi porque minha mãe era professora e desde cedo botava na cabeça dela que eu tinha que ir bem nas aulas, senão, o que a professora ia pensar dela?
— Sou professora e meu filho vai mal na escola? Isso não pode acontecer — dizia.
Então, não bastava estudar na escola, tinha que continuar os estudos em casa! Cabia a mim e à minha irmã fazer o dever com perfeição, pois Dona Dedê, sempre muito exigente, fazia um esforço diário após sua rotina de trabalho para rever a lição de casa comigo e com minha irmã. Repassava linha a linha com a gente. Ela era brava, puxava nossa “orêia”, mandava repetir o exercício errado numa metodologia militar: se a gente errasse a grafia de alguma palavra, por exemplo, tinha que escrever do jeito certo dez vezes. Mandava a gente estudar para as provas com dois dias de antecedência e ainda fazia chamada oral. E aí de mim se não decorasse tudo, pois fazia perguntas do livro inteiro.
Com isso, eu triunfava nos boletins escolares. Da primeira até a quarta série, devo ter batido o recorde mundial de sequência de notas dez. Nunca me esqueço que o saudoso Padre José, que era o diretor da escola, até assinou o boletim e escreveu: “Aprovado (e como… !)”. Mesmo assim, às vezes vinha uma nota oito ou nove e aí era a vez do meu pai, com uma cara alegre e amorosa, dizer:
— Mas por que “ocê” não tirou dez em tudo?
Esses dois eram fogo, “coitadimin, sô!” Mas, brincadeiras à parte, foi graças a essa rigidez amorosa que me tornei a pessoa e o profissional determinado de hoje. Desses dois e de todo seus contextos e famílias formei meu caráter e plantei as raízes dos valores que me guiaram por tudo que trilhei. E, honestamente, confesso que também gostava de ser disciplinado. Tanto que chegou uma hora que a minha mãe percebeu isso e parou com esse negócio de ficar no meu pé para os estudos. Quando comecei a quinta série, acho que ela viu que eu já estava preocupado em tirar nota boa por conta própria e parou de olhar meus exercícios todos os dias. Agora, era eu que não me contentava com menos de dez!